domingo, 28 de fevereiro de 2010

Sobre Monstros e Fantasmas

Era tarde da noite quando me levantei de sobressalto. Estava sozinho em minha nova casa e tudo ainda não parecia meu. O quarto era pouco mobiliado e o velho carpe do chão acumulando anos de ácaros e poeira que não podiam mais ser removidos fazia minha velha rinite atacar. Espirrei. Mais duas vezes antes de poder levantar e realmente poder olhar em volta. Abrindo os olhos ainda desacostumados pude ver a luz amarelada dos postes que entrava pela janela. Isso me impedia de dormir bem na maioria das noites e talvez fosse por isso que as lembranças haviam voltado. São aquelas lembranças que nos vem visitar bem de vez em quando, quando tudo aquilo que nos preocupa já não está nos perturbando, e aquela velha porta que fechamos há tanto tempo insiste em abrir novamente. E de lá vem todos os monstros e fantasmas que guardamos em nosso peito, afogado em meio a todo o auto-orgulho e senso de individualidade.

Para uns, os monstros são vergonhas e derrotas. Para outros, o que é o meu caso, são pensamentos e pessoas. Sentimentos que deixei de sentir.

Levantei-me e a vi na porta do meu quarto, ela que há tanto tempo se foi. Não vi seus olhos ou mais do que a sua silhueta, mas sabia que era ela, pois meu coração é o primeiro a reconhecê-la, sempre. Toda vez que a vejo, mesmo em pensamento ou lembrança, ou ainda tarde da noite quando seu fantasma vem visitar a porta de meu quarto, é meu coração que parece ter mais idade do que realmente tem que reclama a sua falta. É como um antigo viciado que não pode sentir o cheiro de seu pecado com medo de dobrar a própria vontade para obter nem que fosse um pouco mais da velha sensação. Pesar. Manifesta-se assim, quando passei por ela, e ela ficou a me olhar.

Não gosto de arrependimentos.

“Sinto saudades” ela disse. "Sinto o mesmo", eu penso em dizer, mas não posso. Dizer isso seria abrir mais a porta que mantenho fechada e todos os outros monstros iriam sair de lá. Todos com sua sede de sangue, todos com sua amargura e ódio, todos com a sua gana por violência e luxuria misturada com o ressentimento típico do passado, que só as coisas que mais nos marcaram podem ter. Todos esses brinquedos profanos, todas essas forças macabras teriam que ser contidas por mim, naquele corredor.

Eu não disse nada, mesmo sentindo meu coração explodir. “Isso vai passar”, pensei eu ao acender a luz. E tudo foi embora.